A Amazônia brasileira vive um momento único: apesar da queda de 45,7% nas taxas de desmatamento entre agosto de 2023 e julho de 2024 em relação ao período anterior, a biomassa é afetada por incêndios como nunca antes. Julho registrou o maior número de incêndios em duas décadas, com 11.145 incêndios, um aumento de 93% em relação a julho de 2023, segundo dados do sistema meteorológico do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Já mau, o mês seguinte assumiu a forma de uma catástrofe: em agosto foram registados 38.266 incêndios, mais do dobro do ano anterior e o maior número para esse mês desde 2010. Especialistas foram entrevistados. heroísmoEste cenário é uma combinação de atividades humanas, desmatamento acumulado nos últimos anos, mudanças climáticas globais e agravamento de eventos climáticos como o El Niño.
Esta desconexão entre desmatamento e incêndios foi alertada por cientistas já em 2023. Em nota técnica, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) analisou o ano de 2023, com aumento de 36% na área queimada em relação a 2022. Uma redução de 50% na área de alerta de desmatamento no mesmo período.
O fogo é uma forma barata de desmatar e legalizar a área”.
-Rebeca Maranhão
Esta nota reforça a tese de que outros factores, nomeadamente o clima, contribuíram para o aumento da área ardida no ano passado, o que levou a uma alteração dos padrões de incêndio na região. “A forte seca e as altas temperaturas na Amazônia contribuíram para essa situação. Houve também um encurtamento do período chuvoso”, afirma a diretora científica do IPAM, Ane Alencar.
Este ano, a tendência foi ainda maior à medida que a estação seca foi antecipada, começando em Maio em vez de Junho/Julho. Segundo o pesquisador, o aumento dos índices de queimadas tem dois momentos importantes: nos primeiros três meses do ano no Amazonas e nas regiões norte do Pará e Roraima, mais ligadas aos problemas climáticos; E em julho e agosto, 67% das áreas queimadas, a maioria das áreas já foram desmatadas, o que pode indicar tanto falta de controle do uso do fogo na agricultura quanto atividades criminosas para fins de especulação imobiliária.
Segundo Alencar, a proximidade das eleições municipais evoca uma sensação de “terra sem lei”. “Os anos eleitorais sempre atrapalham a agenda ambiental na Amazônia, com aumento de queimadas e desmatamento. Isso é potencializado no contexto de mudanças nos padrões climáticos”.
Assim, o fogo é também uma táctica dos grileiros, onde são visados terrenos ainda não atribuídos e controlados pela União. A geóloga e pesquisadora Rebecca Maranho explica que depois que as florestas são derrubadas e transformadas em pastagens, algumas cabeças de gado – conhecidas na linguagem local como “boi caseiro” – aumentam o valor da terra no mercado local. A questão fundiária na Amazônia.
“Por serem áreas grandes, o custo do desmatamento é alto, entre R$ 2 mil e R$ 3 mil por hectare. O fogo é uma forma barata de desmatar e depois legalizar a área”, diz Maranhão. Entre 2019 e 2021, os anos de pico de desmatamento mais recentes, mais de 50% ocorreram em florestas públicas não designadas. Atualmente, 6 milhões de hectares estão em processo de alocação na Amazônia Legal, uma pequena parcela dos cerca de 56,5 milhões de hectares de terras da União, cercadas por florestas não especificadas.
A grave seca que atingirá a Amazónia a partir de 2023 – e deverá ser ainda pior este ano – é um sinal de eventos climáticos exacerbados pelo aquecimento global, especialmente no Atlântico Equatorial e no Atlântico Norte, à medida que a temperatura dos oceanos aumenta. . Combinados com o El Niño, contribuíram para uma seca sem precedentes e altas temperaturas na Amazônia.
Outro fator a ser considerado é o desmatamento acumulado na região, que já atinge 18% de biomassa, reduzindo a capacidade das florestas de sequestrar chuva, umidade e carbono. “Além das mudanças climáticas e do El Niño, as mudanças no uso da terra produzidas pelo homem desempenham um papel importante no aumento dos incêndios”, diz Helga Correa, especialista em conservação do WWF-Brasil.
Por meio de satélites, a fumaça do incêndio pôde ser vista nas margens das principais rodovias que cortam o Amazonas, BR-230 (Transamazônica), BR-319 (Porto Velho a Manaus) e Amazonas. A BR-163 é a rodovia mais longa do país. Segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA), não é por acaso que o reforço no combate a incêndios prometido pelos governos central e estadual intensificará as atividades de fiscalização em áreas críticas ao longo do eixo dessas rodovias. “As áreas do bioma onde foram observadas as temperaturas mais altas em agosto correspondiam a esses locais com estradas, como uma cicatriz que representa nosso padrão de crescimento”, diz Correa.