Enquanto participava do evento ao pontoDa Globonews, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comemorou um bom resultado do PIB no segundo trimestre, declarando-se vencedor de uma disputa contra outras duas escolas de pensamento que lutam entre si desde que assumiram o comando da economia brasileira.
“Havia uma certa visão de alguns economistas de que o ajuste fiscal não era importante e que o governo poderia ser mais brando nesta questão”, concluiu. O ministro não citou nomes, mas não precisou ser muito esperto para concluir que se referia à ala desenvolvimentista do PT, que é a líder do partido, a deputada Gleisi Hoffmann, sua voz mais estridente.
Do outro lado do ringue, segundo Haddad, “havia outros economistas que diziam que a questão fiscal era importante, mas era preciso fazer ajustes nos programas sociais, no salário mínimo, na redução de benefícios e assim por diante”. Aqui está uma clara referência à visão dominante do mercado, que sempre exigiu do governo Lula uma postura firme na gestão dos gastos públicos.
Apesar do cepticismo dos economistas em relação às instituições financeiras, a solução de Haddad, que até agora mantinha a estrutura fiscal, ficou conhecida como “ajuste fiscal do lado das receitas”. O próprio Ministro explica esta preferência e os seus efeitos no crescimento do PIB observado até agora: “Nossa visão é que, pela primeira vez na história do Brasil, a reforma fiscal seja aplicada a quem deixou de pagar impostos”, referindo-se a medidas para ajustar incentivos fiscais e diferentes tratamentos tributários para diferentes grupos e segmentos econômicos.
“O efeito desta política é que se pode ajustar sem prejudicar o crescimento económico. Essa é a graça. Quando se fazem mudanças nos pobres, reduz-se o consumo, e quando se reduz o consumo, reduz-se o investimento, porque ninguém investe sem ter a quem vender. E ele conclui: “Então, quando você fizer mudanças no lugar certo, veja como podemos criar um círculo virtuoso na economia. (…) Porque, na minha opinião, fizemos a abordagem certa: vamos cobrar quem deixou de pagar, vamos reorganizar as contas públicas, e investir de volta com esse consumo.
De certa forma, Fernando Haddad segue os passos de Antonio Balochi, que ocupava o mesmo cargo no quinto andar do Ministério da Fazenda vinte anos antes, durante o primeiro mandato de Lula. Ele enfrentou forte desconfiança da comunidade balúchi em relação ao compromisso fiscal do novo governo petista e provou ser o vencedor na disputa interna do partido sobre qual direção tomar a economia.
Existem diferenças, é claro. Por um lado, se ganhar a confiança do mercado era mais desafiador para Balochi, a situação internacional, o boom das commodities, bem como a consolidação da base política durante a era Lula I estavam a seu favor. Sem falar na chamada “linhagem amaldiçoada” que, em retrospectiva, revelou-se muito favorável durante o que é conhecido como período “Malochi” (Malan + Balochi).
Deixando de lado as circunstâncias específicas de cada momento histórico, a verdade é que, tal como Balochi, Haddad conseguiu apresentar resultados económicos positivos, superando tanto a desconfiança do mercado como o fogo amigo da ala política do governo. A cada revisão para cima das previsões de crescimento do PIB do Boletim Focus, a influência política de Lula cresce, contrariando a visão tendenciosa dos seus colegas na cova da cobra do PT.
Essa preocupação é paralela à de Antonio Balochi – felizmente, não há menção a mansões no Lago Sul, a amigos com comportamento questionável e a zeladores que foram assediados injustamente. Refiro-me às medidas estruturais secundárias e necessárias de ajustamento fiscal.
Em meados de 2005, Antonio Balochi conduziu Lula a um plano de ajuste fiscal de longo prazo que teria como guia a adoção de uma meta para eliminar o déficit nominal do setor público dentro de sete ou oito anos. Na prática, este objectivo ambicioso deveria incluir despesas suficientes não só para cobrir as obrigações actuais do governo federal, mas também para pagar os juros da dívida pública. Adotar uma ampla revisão da estrutura de gastos do governo traria como bônus a credibilidade, na visão da equipe econômica naquele momento, de que as taxas de juros cairiam e o país cresceria de forma mais sustentável.
No entanto, a proposta foi interrompida na sua fase inicial. Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil, caracterizou a ideia como “fundamental”, e Lula decidiu não assumir o peso político da implementação desta reforma financeira. O que resta é história: mesmo que o boom das commodities o tenha permitido, o governo aumentou os gastos como se não houvesse amanhã – em valores de hoje, já descontados pela inflação, passando de R$ 950 bilhões em junho de 2005 para R$ 1,6 trilhão em dezembro de 2010. (fim do segundo mandato de Lula) e R$ 1,9 trilhão na época da derrubada de Dilma.
O tempo passou e Lula regressa ao poder em 2023, colhendo mais uma vez conquistas de crescimento económico acima das expectativas do seu ministro das Finanças e, mais cedo ou mais tarde, enfrentando a necessidade de promover um ajuste estrutural nas contas públicas.
Na edição de hoje (09/05) em entrevista a Guilherme Pimenta e Lu Aiko Otta, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, admite isso. heroísmo. Comentando o plano orçamentário para 2025 enviado ao Congresso na semana passada, ele afirma: “Chegamos à primeira etapa, que garante o cumprimento da meta fiscal (zerar o déficit primário, aquele que não leva em conta o pagamento de juros da dívida)” . Mas segundo o principal assessor tributário de Haddad, o trabalho ainda não acabou: “Depois há o segundo: a qualidade do mix de gastos. O sector obrigatório está a crescer com uma forte dinâmica e está a comprimir o sector discricionário. Isto é mau. Portanto, agora a nossa agenda tem de mudar para isso.
No orçamento do próximo ano, de um total de R$ 2,93 trilhões em despesas totais, menos de 92% são de natureza obrigatória, prevista em lei, sobre as quais o governo tem pouco controle: benefícios previdenciários e assistenciais, transferências aos estados e municípios, salários de funcionários, mínimos constitucionais para saúde e educação, entre outros.
Dos R$ 230 bilhões restantes para o governo gastar de acordo com suas prioridades (gastos discricionários populares), deputados e senadores receberão quase R$ 40 bilhões com as emendas, uma margem muito estreita de R$ 190 bilhões (6,5% do gasto total). ) para investimentos como PAC ou projetos de combate ao desmatamento, por exemplo.
Para piorar a situação de contracção das despesas discricionárias descrita por Cheron, as despesas obrigatórias têm a sua própria dinâmica de crescimento: o financiamento da saúde e da educação aumenta automaticamente com os ganhos de receitas, enquanto as despesas com a segurança social e a assistência se ajustam ao salário mínimo. Se nada for feito, o governo em breve se tornará um mero caixa pagando contas obrigatórias.
A tarefa que Haddad enfrenta agora é apresentar um plano sustentável para evitar um colapso fiscal nos próximos anos – e ao contrário de Balochi, ele não tem no seu radar um longo ciclo de valorização das matérias-primas para acomodar a fatura das receitas.
Como o próprio ministro das Finanças já concordou, em algum momento no futuro, Haddad deverá apresentar a Lula um plano que evite o incômodo de repensar os mecanismos de reforma de políticas sociais como ajuda, saúde e educação. Uma nova reforma previdenciária não está no radar.
Resta saber se a ala política do governo classificará os planos de Haddad como planos básicos.